sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Emergência

Emergência 
(Luís Fernando Veríssimo)
É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio a sua compreensão.
- Bom dia…
- Como assim?
Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia ao passageiro ao seu lado:
- Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
- Não, obrigado. Não bebo.
Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar vôo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! No rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.
Mas o pior está por vir. De repende ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz.
“Senhores passageiros, sua atenção , por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás.”
- Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada de emergência. Olha, o meu é sem emergência!
Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
- Isto é apenas rotina, cavalheiro.
- Odeio rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai, meu santo.
“No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos.”
- Que história é essa? Que despressurização ? Que cabina?
“Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente.”
- Respirar normalmente? A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças – e ele quer que a gente respire normalmente?!
“ Em caso de pouso forçado na água…
- O quê?!
“…os acentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e…”
- Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
- Calma, cavalheiro.
- Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
- Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
- Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por que, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que aliás , também parece consternado e levemente azul.
- Calma! Isso. Pronto. Fique tranqüilo. Não vai acontecer nada.
- Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
- Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo que ele dá um pulo:
- Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração.
De repente, outra voz. Desta vez é do comandante.
- Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento. À nossa direita, podemos ver a cidade de …
Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
- Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!
 

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